segunda-feira, 21 de outubro de 2013







Se em algum momento da sua vida você passou por aqui, eu não senti. Ou esqueci, o que é mais provável, por eu ser facilmente suscetível ao esquecimento. Sempre fui assim, se lhe importa saber. Só que em alguma manhã eu acordei e ainda lembrava. Foi como uma faca dentro do peito, confirmando minha mudança. A única virtude que me restava, como pode me tirar? Quando isso aconteceu?
Sempre foi completa ausência. Com as críticas vazias à nada, por qualquer motivo. Com seu egoísmo natural, com sua falta de percepção de que eu sofria. Eu sofria. Até isso você me tirou. 






quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A vida de Cassilda




Cassilda tinha a uma vida à parte do mundo. Uma vida que ela considerava boa. Boa para ela.
Tinha ambições particulares e que não agregavam nem um pouco todas as outras pessoas. Era uma pessoa destemida. Que quando tinha vontade fazia, que quando desejava corria atrás, mas se esquecia de todos que estavam a sua volta. Esquecia-se do simples e do bonito para ir atrás de algo maior, muito maior do que se pode imaginar.
Focou-se tanto e tão intensamente em si mesma e em seus projetos, que aos poucos foi se esquecendo de que havia outras pessoas ao seu redor. E as pessoas aos poucos foram esquecendo que ela existia, também.
Alguns anos atrás, quando as pessoas ainda conseguiam enxergar Cassilda, quando ainda era pequena, era complicado fazer com que ela se interessasse por coisas novas. Tentaram levá-la ao parque. Mostraram todas as árvores que havia por lá, os troncos que se emaranhavam uns nos outros e como era legal subir neles. Cassilda pareceu nem notar. Mostraram-na a roda gigante e o frio que dá na barriga quando a gente está no topo do mundo inteiro. Cassilda desejava estar em casa imersa em sua existência reservada.
Depois de toda uma infância perdida, Cassilda arrumou um namorado que, assim como ela, gostava de ser sozinho. Eram sozinhos juntos de um modo tão monótono que se eu explicar é bem capaz de eu e você dormirmos antes que eu consiga terminar essa história.
Bom, de algum modo eles se aguentaram durante muitos anos e tiveram filhos. De alguma forma. E em nada os filhos de Cassilda se pareciam com ela ou com o pai.
Tentaram, assim como todos os outros tentaram inutilmente, mostrar à mãe um mundo novo por trás de sua própria vida. Descobriram sozinhos a gentileza e o bem que ela trazia, as brincadeiras em casa enquanto a mãe se prendia à alguma coisa que eles não entendiam bem. E puxavam a mãe pela barra das calças “Mãe, olha o castelo de cartas que eu construí!”. Depois de todos os gritos para chamar-lhe a atenção, quando ela enfim olhava, o castelo já havia desmoronado. Ela fingia algum interesse e se voltava para o que estava fazendo.  Mas não foi por falta de tentativa, que eles e todos no mundo acabaram por não nota-la mais. Já era tão comum o silêncio em casa e por onde ela passava que é como se Cassilda simplesmente não estivesse por ali.
E ela ia, pensando em si mesma, vivendo sua vida, seus trabalhos, suas ambições, suas suas suas coisas, que quando viu tinha pelancas.


E elas eram tudo que lhe restava.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Jabuticaba



Um raio de luz resolveu gostar do meu rosto um pouco depois do sol nascer. A cortina o fez dançar em meus olhos e correr meus cabelos. Senti falta de um cheiro.
Conto-te os últimos fatos para entenderes que as pequenas sensações vêm aflorando em mim, o que é bom, graças a ti. Por horas longas do dia voltei a conversar comigo mesma, em pensamento, nas ruas e a questionar coisas sem importância. Repito como um mantra incessante frases que me vem à cabeça, que espero te contar um dia e me obrigo a não chorar.

Você sabe que adoro jabuticabas, filosoficamente falando e certamente comê-las, também.  A árvore jeitosa, com as pretinhas abundantes sorridentes e tal. Quando vier, traz pra mim? A muda e as frutas, porque não aguento mais de vontade. Preciso cuidar de alguma coisa. Se não posso cuidar de ti, preciso cuidar de outra coisa. Então que seja uma jabuticabeira pra eu plantar aqui no meu quintal. Jabuticaba olhos teus. Jabuticaba nosso amor. Jabuticaba o que for. Mas que me lembre todos os dias a paz que tu me trazes sempre que voltas para mim. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dois dias


  Em dois dias. Repito pra mim umas quinhentas vezes como louca. Em dois dias, amor. Falta pouco e eu tenho tanto a fazer. Se ao menos eu conseguisse pensar. Dois dias e tudo estará azul, verde, cinza, porque ainda não sei bem qual é a cor. Todas lindas e independentes das estações, gosto de todas. Depois de todos esses anos. Milhões de coisas pra digitar. Estou odiando digitar sem um afago teu. Preciso que alguém me interrompa e peça café.  Alguém pelo amor de Deus me peça uma porra de um café.  Não dá mais pra forçar criatividade, estou um poço seco. Em dois dias. Em dois dias tudo volta ao normal, respira. Respira e a arruma as plantas. Aspira o pó da casa. Aproveita e aspira a saudade também.  Deveria ter virado secretária, ou qualquer coisa assim. Onde eu enfio a aflição quando precisar de criatividade? Já li todos os livros da estante.  Foge que eu te encontro que eu já tenho asa . Nunca é bom se você volta. Cansei de te ver voltar e rezar pra mim mesma. Em dois dias, só dois. Só nós dois, de novo.  As folhas voam com o vento. Mas estava tudo uma bela porcaria mesmo. Que voem. Que vão pro inferno.  Ainda tem essa chuva. Essa chuva fina e irritante berrando no meu ouvido pra que eu me enfie na cama e me esconda dos meus medos. Mas saiba que eu não vou.  Não fujo de ti, amor. Não fujo do medo de te perder  e não te enlouqueço com a minha dependência.  Em dois dias e eu me acostumo. Prometo.  É que eu não presto sozinha. Eu não presto sem ti.


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

domingo, 12 de agosto de 2012

De baixo.



Lembro dos bilhetes na televisão que você deixava antes de dormir
“Quando acordar, me acorde”
Eu te cutucava quietinha, pisando devagarinho no chão do quarto, com cuidado pra minha mãe não acordar mal humorada. Vocês eram músicos e cansados, mesmo assim você levantava feliz, me dava um beijo. Fazia alguma coisa pra eu comer e eu me sentia importante.
Os bilhetes colados na televisão ficaram na minha memória pra sempre. Se eu fechar os olhos, ainda os vejo de baixo, do ângulo que criança bem pequena vê o mundo, do ângulo que eu gostava de ver seu rosto e também de pegar a sua mão na altura da minha cabeça, de sentir se eu “cainho” e ficar “pipiada”. De lá pra cá sou assim, sou carente. Você plantou em mim a carência e pra sempre me faz falta tudo aquilo, toda aquela atenção.
A verdade é que não vejo mais as coisas de baixo, não tenho mais o cainho do meu pai pra dormir e ai de mim acordar alguém tão cedo pedindo café, mas as coisas mudam não é? Se não mudassem a vida não faria sentido. Às vezes eu penso se são as tristezas que fazem da vida algo real, se a saudade que constrói a nossa base e resistência, mas logo vem a felicidade pra nos lembrar de que não estamos tão sós assim, logo vem você pra me lembrar que não me esqueceu.
E a gente chora, lamenta, se sente de mãos atadas e eu me sinto mais velha. O nó na garganta que me aperta toda a vez que sinto vontade de gritar, de dar uma de maluca mesmo pra ver se alivia, pra ver se a saudade vai embora quando a gente grita com ela, pra ver se eu cresço de uma vez e deixo a porcaria das lembranças da infância de lado. Mas a verdade é que eu nunca vou esquecer o meu paizinho e que eu vou sempre lembrar com carinho de todas aquelas cenas que não vão embora e me fazem chorar de pura vontade de reviver e que mesmo que eu não tenha que olhar pra cima pra olhar pra ti, te olhe de frente, bem dentro dos meus olhos a imagem que eu tenho e que eu vou guardar é a do meu pai que eu via de baixo.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Morangos




Que aquele céu no auge da raiva resolveu acabar com o nosso domingo.
Tão poucos eram os domingos juntos, antes de você resolver abandonar todo mundo por aqui e seguir seus sonhos. Não julgo abandono, julgo liberdade. Como pôde ser livre sem mim? Como pôde ser livre sem avisar? E agora o que serão dos nossos domingos? O que vai ser de ti sem a tua Cecília nos domingos? O que vai ser de ti, meu amigo? Meu amor.

Sabe que estou contigo, apesar de me deixar aqui, sentada nas escadas na esperança de que volte.  Sei que foi sem culpa, sem medo, de coração aberto, sem saber que ainda te espero e que estarei aqui aos domingos, na esperança de que volte.

Porque se livrou dos domingos e foi ser livre?
Pra mim liberdade era sentir o vento nos cabelos enquanto me rodava.
Eu era bailarina, era tua amiga, tua Cecília. Agora sou a esperança. Espero morrer logo.

Guardei sua camisa preferida. Está lavada, passada, dobrada e cheia de saudade.
Às vezes chora e me conta que até ela foi deixada para trás, as vezes se sente enganada, usada. Ou nem tanto. Eu um pouco, talvez.

Dei pra picar tudo o que vejo pela frente. Eu faço a comida e pico, pico tudo em tamanhos mínimos, quase vira sopa. Passei a descontar meu nervosismo nas coisas e nas comidas.
Outro dia picava um pouco de morangos, – Pensei: posso morrer de saudade, mas os morangos, estes ficaram – e lembrei que de como fazia uma maçaroca horrorosa com açúcar, mel e tudo o que tira o gosto da fruta de verdade e dizia: acho tão bonito seu amor e o valor que você dá para as pequenas coisas.
Dei valor às pequenas coisas, dei valor às mínimas impossíveis, dei valor pra você, pra sua camisa, pros seus morangos. Joguei os morangos pela janela para que fossem livres também, pena que não serão livres com você, assim como eu.