domingo, 5 de junho de 2011

Bento. (parte 1 )


Saía do meu prédio com um pouco de pressa, tinha muitas coisas para fazer, algumas contas para pagar, levar o cachorro no pet shop, comprar um vestido bonito para ir ao coquetel da revista, marcar hora no salão e terminar a matéria sobre “ As melhores coisas do mundo “ que tinha que entregar até a segunda feira. Eu estava ferrada. Odeio trabalhar e fazer as coisas sob pressão. Quando tenho milhões de coisas para fazer em casa eu deixo tudo do jeito que está, compro uma caixa de bom bom, deito na cama, ligo no canal de clipes e desisto da vida até que tudo se ajeite sozinho. A única diferença de fazer as coisas sob pressão em casa e fazer coisas sob pressão na redação é que no trabalho a gente é demitida e em casa as coisas podem ficar no máximo imundas.

O vestido que comprei era LINDO, com uma cor de rosa beem clarinho que quase deixava de ser rosa, cheio de pérolas na parte de cima, em formato de tubinho, a sandália bege me deixava mais elegante e alta, a bolsa de mão tipo carteira fechava o look com chave de ouro.

Tinha chamado o taxi e a moça da voz chata do outro lado da linha falou que em cinco minutos o carro chegaria. Resolvi esperar na frente do prédio já que seria rápido.
Passaram-se mais de cinco minutos e nada do homem chegar, eu já estava ficando impaciente.
Um mendigo, que tinha nas mãos um livro “ O melhor do drama grego “ foi chegando de mansinho, se encostou na parede do prédio, se sentou e ficou me observando.
­- Bela roupa. – Disse para mim com um sorriso no rosto.
Meu taxi chegou e eu entrei. O mendigo continuou lendo o livro que tinha nas mãos, sorrindo e gesticulando algumas palavras que não me lembro muito bem quais foram.

A festa estava cheia. As celebridades chegavam e chamavam a atenção de fotógrafos, os maiores nomes de todas as revistas e jornais mais importantes da cidade estavam presentes, grandes empresários, os patrocinadores, o pessoal da publicidade, a massa pop da comunicação estava lá. E eu estava feliz, porque depois de anos de luta, a Gipsy, era um sucesso.

Como de costume, essas festas de inauguração ou promoção, sempre tem uma coisa em comum, a falsidade. Não dá pra contar nos dedos quantas pessoas querem ser melhores que as outras nesses lugares. Quando alguém chega e te diz “ Parabéns, a revista está o máximo “, já está implícito no pensamento dela algo tipo “ mas a minha será melhor “.
A Editora Chefe da revista rival se encaixa nesse tipo de pessoa. Sempre que pode ela estava lá, pronta para soltar o seu veneno. E lá estava ela, circulando pela festa como se todos estivessem lá para vê-la.
- Quem chamou essa mulher? – Perguntei para Flor, minha secretária, que nunca sabe de nada.
- Não sei.
De fato, eu nunca liguei muito para esse tipo de pessoa, prefiro ignora-las e curtir o meu momento, mas ela já abusa da minha paciência.
- Oi Diana, o que você está fazendo aqui? – Perguntei com toda a falsidade do mundo. Ela certamente poderia usar qualquer má educação da minha parte contra mim.
- Sou Editora chefe de uma das maiores revistas do Brasil, tenho passe livre para entrar na festa que eu quiser. – Naja.
Fiz questão de fingir que ela não estava lá durante toda a festa. Estava tudo ótimo, eu não ia deixar que uma coisa tão pequena acabasse com a minha noite.

As noites de segunda no meu apartamento são as piores. Sou uma mulher sozinha, que vive pro trabalho, não tem filhos, nem marido, nem namorado e todos os meus amigos tem alguma coisa muito importante para fazer nas segundas, menos eu. Isso não me faz uma pessoa triste, foi só uma opção de vida. O que se faz quando o seu jeito de ser não é parecido com o das outras pessoas ? Eu não me adapto a um padrão, e não ligo, o único problema é que quando se é assim as segundas são muito chatas e sozinhas.

Resolvi descer para dar uma caminhada na praia, respirar um ar puro, tomar uma água de coco e ver se essa nostalgia passava.
Bem encostado na escada do meu prédio estava lá.. O mesmo mendigo, lendo um outro livro, só que dessa vez era Correspondências – Clarisse Lispector.
Estranhei vê-lo pela segunda vez na porta do meu prédio com um livro diferente, folheando as páginas com delicadeza como se encostasse numa raridade.
- Você gosta mesmo de ler né? – Não obtive resposta – Gosta da Clarisse?
- Me casaria com ela se Deus me desse a honra de conhece-la – Respondeu com frieza.
- Ei, só te fiz uma pergunta, não precisa ser grosso.
- Grossa foi a senhorita. Outro dia mesmo, eu elogiei o seu vestido e sem demora entrou no táxi sem me agradecer, nem dar um sorriso.
Eu estava mesmo conversando com um mendigo? Está de brincadeira ..
- Me desculpe então.. Qual o seu nome ?
- Bento.
- Tá bom... Bento... – Eu não estava fazendo aquilo – Vamos tomar uma água de coco?
- Como pode perceber eu não tenho como... – Não deixei ele terminar.
- Eu pago... Pode ser?
( continua ... )

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