sábado, 21 de janeiro de 2012

Nem vi.


Nem vi quando o lugar ficou cinza de fumaça daqueles trecos que colocam nos palcos de artistas que não tem tanto talento só pra confundir as pessoas da plateia, deixar doidão, sei lá, mas ficou cinza e eu lá dançando. Nem me lembro de quando abri o olho, só vi outros olhos que me fitavam. Fiquei com vergonha por achar que eles me achavam totalmente idiota. Arregalei os meus, puxei um chumaço de cabelo pra frente do rosto pra ver se me escondia, pra ver se me tronava invisível ou qualquer coisa, abaixei a cabeça e fui andando pro lado oposto pra onde o homem com os belos olhos e barba estava.

Tão vermelha. Maldita pele branca, maldito cabelo ruivo, malditas sardas, maldita mania de ligar pra opinião alheia, praguejei-me. Nem via as pessoas direito por causa das luzes que estavam me deixando louca e cega, muito menos vi a mão tocando meu ombro, só senti.
Maldita vergonha. Não virei, continuei andando puxando o cabelo pra frente do rosto pra ver se ninguém olhava. Ninguém ia olhar. Parei de sentir a mão, mas alguns passos depois lá estava o homem de barba. Bela barba, belos olhos, maldita mania de perseguição.
O som não se propaga no vácuo, então só vi a boca mexendo “ASHDAVBALÇBSA” tentou dizer e sorriu. Parei com cara de idiota e a expressão dele fechou, mais ou menos como acontece quando você percebe que fez alguma coisa obviamente estúpida. A mão se esticou pra mim tentando pegar nas minhas. Belas mãos. Eu olhei e rezei pra que não me puxasse pra dançar e zombasse de mim, mas elas me levaram pra algum lugar onde não havia mais música.

Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... Meu ouvido apitou, enfiei os dedos pra ver se melhorava, detesto essa sensação de “pi”. Abri os olhos de novo e o homem dos olhos, da barba, das mãos me olhava também. Esperei uma reação. Nada. Bela expressão de nada. Mas então ele encheu os pulmões de ar como se não respirasse há um século (ele parecia estranhamente feliz por isso) e falou - Oi.

Depois tantos e tantos “ois”. Bela voz. Ótimos discos ele tinha, colecionava vinis. Às vezes citava pra mim versos de Pablo Neruda, poucas vezes suspirei por poucas palavras. Era um homem de barba e de poucas palavras, mas sua barba me roçando a nuca de manhã me dizia coisas que nem todas as palavras conseguiriam explicar. Maldita mania de lembrar.
Nos dias nublados quando eu botava um dos discos pra tocar e dançava sozinha pela sala e ele sentado me olhando. Já disse que tinha belos olhos? Lindos olhos imperdíveis, inesquecíveis.
Nem notei quando o lugar se encheu de fumaça e eu perdi os olhos que me fitavam.

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