segunda-feira, 27 de agosto de 2012

domingo, 12 de agosto de 2012

De baixo.



Lembro dos bilhetes na televisão que você deixava antes de dormir
“Quando acordar, me acorde”
Eu te cutucava quietinha, pisando devagarinho no chão do quarto, com cuidado pra minha mãe não acordar mal humorada. Vocês eram músicos e cansados, mesmo assim você levantava feliz, me dava um beijo. Fazia alguma coisa pra eu comer e eu me sentia importante.
Os bilhetes colados na televisão ficaram na minha memória pra sempre. Se eu fechar os olhos, ainda os vejo de baixo, do ângulo que criança bem pequena vê o mundo, do ângulo que eu gostava de ver seu rosto e também de pegar a sua mão na altura da minha cabeça, de sentir se eu “cainho” e ficar “pipiada”. De lá pra cá sou assim, sou carente. Você plantou em mim a carência e pra sempre me faz falta tudo aquilo, toda aquela atenção.
A verdade é que não vejo mais as coisas de baixo, não tenho mais o cainho do meu pai pra dormir e ai de mim acordar alguém tão cedo pedindo café, mas as coisas mudam não é? Se não mudassem a vida não faria sentido. Às vezes eu penso se são as tristezas que fazem da vida algo real, se a saudade que constrói a nossa base e resistência, mas logo vem a felicidade pra nos lembrar de que não estamos tão sós assim, logo vem você pra me lembrar que não me esqueceu.
E a gente chora, lamenta, se sente de mãos atadas e eu me sinto mais velha. O nó na garganta que me aperta toda a vez que sinto vontade de gritar, de dar uma de maluca mesmo pra ver se alivia, pra ver se a saudade vai embora quando a gente grita com ela, pra ver se eu cresço de uma vez e deixo a porcaria das lembranças da infância de lado. Mas a verdade é que eu nunca vou esquecer o meu paizinho e que eu vou sempre lembrar com carinho de todas aquelas cenas que não vão embora e me fazem chorar de pura vontade de reviver e que mesmo que eu não tenha que olhar pra cima pra olhar pra ti, te olhe de frente, bem dentro dos meus olhos a imagem que eu tenho e que eu vou guardar é a do meu pai que eu via de baixo.