sexta-feira, 29 de abril de 2011

Enviada


O barulho era quase inexistente. Aquele pedaço da cidade estava vazio, somente os postes ligados, alguns pombos em cima dos telhados e eu andando no meio daquele nada. Não que me importasse, mas eu estava um trapo. Um vestido bege todo manchado de sangue, sandálias de salto na mão esquerda, uma estaca de ouro na mão direita, lágrimas pretas escorrendo pelo meu rosto em consequência da maquiagem pesada que foi embora junto com a tarefa cumprida, afinal, eu estava lá para isso.

Quando Ninfas são mandadas para a Terra, elas não vem à toa, nós estamos aqui disfarçadas cada casta com o seu propósito. Eu sou Néfeles, sou da casta das oceânides, controladoras do mar e de tudo o que se relaciona a água. A missão das Oceânides é matar Hécate, a deusa do submundo. Hécate vem para a superfície nas noites de Lua nova. Ela envia aos seres humanos aparições de terrores noturnos e causa desgraça o quanto pode. Na maioria das vezes Hécate foi surpreendida por uma de nós mas nenhuma jamais conseguiu acabar com ela completamente porque essa era especificamente a minha missão.

Somos enviadas ao mundo três dias depois de nascer, nos deixam na porta da casa dos humanos e somos criadas como pessoas normais. Eu acreditava que era uma pessoa normal, exceto por algumas coisas que eu considerava meio estranho. Desde criança fui à escola, tive amigos e agora com dezessete anos eu completei o ensino médio. No dia da minha formatura, assim que estava entrando em casa, voltando do baile, um senhor barbudo e esguio me entregou uma caixa e me disse " Só abra quando estiver sozinha, não pode haver mais catastrofes do que o mundo já viu. Não, não pode ". Achei que ele estava pirado. Subi as escadas correndo feliz porque Daniel Forks tinha me pedido em namoro, nem me liguei na caixa, joguei ela em cima da cama e fui tomar um bom banho. Depois do banho botei o meu casaco do Mickey que eu não troco por nada, estava secando os cabelos com a toalha quando me lembrei da caixa, ela estava exatamente no lugar onde eu havia deixado. Li o bilhete que estava em cima da caixa, ele dizia:

"Você acha que tudo o que presenciou até agora foi assustador ? Seus poderes ainda estão se desenvolvendo. Acha que manipular a água é estranho?

Então, agora prepare-se para conhecer realmente os seus poderes e descobrir coisas que você jamais poderia imaginar "

Como ele sabia da manipulação da água ? Será que estava sendo vigiada ? Por um momento eu fiquei com medo de ver o que tinha na caixa, mas a minha curiosidade não deixou. Ao abrir aquela caixa de madeira uma luz muito forte saiu lá de dentro e a caixa era bem mais funda do que parecia. Lá tinha uma estaca de ouro, um colar com uma nuvem de cristal e uma outra carta.

" Néfeles, Ninfa das nuvens, da casta das oceânides. A partir de hoje seu nome não é Natalie. Você foi enviada à Terra quando nasceu, foi entregue aos seus atuais pais, mas na verdade você é filha de Hemera, deusa da luz.

Sua missão por aqui é matar Hécate, deusa da escuridão e acabar com as desgraças causadas por ela. Hemera tinha a mesma missão que você, porém, os poderes dela não foram o bastante para derrotar Hécate. Acha que eu estou brincando ? Se negar o seu destino sofrerá as consequências. Néfeles, confiamos em você para que possa restaurar a paz que Hécate insiste em destruir "

HAHAHAHAHA. Quando li aquilo eu olhei para um lado e para o outro procurando as câmeras e falando para os meus pais " Tá, tá bem .. já podem sair, obrigada pelo presente de formatura, mas não, obrigada não vou salvar o mundo ". Botei o cordão de nuvem e fui dormir.

No dia seguinte, fui para a casa da minha amiga Kenzi ajudar a organizar os detalhes da festa que aconteceria na próxima semana. Ela sabia tudo sobre mim, inclusive a minha estranha capacidade de mover a água pra lá e pra cá. Cheguei lá, ficamos conversando, rindo, ligando para todos os Djs e Buffets do bairro para ver qual caia melhor no nosso orçamento .

Depois de tudo praticamente resolvido fomos comprar nossos vestidos para a festa. Kenzi escolheu um vestido rosa horrível e eu a fiz trocar imediatamente, logo depois um cinza que parecia ter sido feito para alguém ir a um enterro, ela nunca teve muita noção de moda mesmo, então resolvi escolher. Peguei um azul claro que era uma graça, tinha um decote em V, cintura justa e uma saia mais soltinha em baixo. Pra mim achei um bege com decote em U, tubinho, que combinaria perfeitamente com o meu cordão novo. Depois escolhemos a sandália e fomos tomar um sorvete.

O céu estava escuro, logo logo ia chover. Eu disse pra Kenzi que teria que ser rápido porque já estava pingando. A água começou a cair e as gotas de chuva viraram poças e as poças estavam se formando nos cantos das ruas, ou seja, provavelmente seriamos molhadas por algum carro. Não deu em outra, o cara passou em cima da poça e a água veio na gente, imediatamente eu apontei meu dedo e gritei " Desgraçado ". Toda a água que estava no chão imediatamente começou a se juntar como se fosse uma cachoeira ao inverso e se chocou contra o carro. O veículo bateu no poste e a parte da frente ficou totalmente destruída.

Kenzi olhou pra mim como quem diz " O que você fez ? " e eu olhei pra ela como quem diz " eu não sei, eu não sei, pare de olhar pra mim como se eu fosse uma maluca e isso fosse culpa minha ".

Fomos pra casa dela, eu estava nervosa, suspirando cada vez mais fundo sem entender nada. Lembrei do que a carta dizia " Se negar o seu destino sofrerá as consequências " Não, não podia ser. Pra mim aquele tipo de coisa não existia, mas estava se tornando cada vez mais real. Exliquei pra Kenzi o que tinha acontecido e ela foi a única que acreditou na tal caixa e disse " Natalie e se isso for mesmo verdade? E se você for mesmo a Néfeles e tiver que matar esse tal monstro. Eu acredito nisso, mover a água e destruir um carro é bastante estranho já. Você ser uma ninfa não iria me surpreender "

Em casa, sozinha, deitada na minha cama, aguniada, e tudo o que tinha acontecido naquela tarde passando como um filme na minha cabeça. Eu estava preocupada com o senhor que dirigia o carro mas não parava de pensar .. E se eu realmente fosse uma ninfa e tivesse que matar alguém, como eu faria isso ? Nunca matei nem uma mosca. E como eu faria pra encontrar essa Deusa do mal e honrar o nome da minha mãe seja lá quem ela fosse ?

Comecei a gritar desesperada " O que eu faço agora em ? Me leva até essa Hécate maluca pra eu acabar com ela, por causa de vocês a minha vida está um inferno, será que eu posso ter um pouco de paz e viver que nem uma pessoa normal que não destrói nada ? EMM ? " Uma voz falou dentro do meu ouvido e eu fiquei assustada. " Quem está ai ? " O senhor que tinha me entregado a caixa apareceu na varanda do meu quarto e entrou sem pedir licença.

" No dia da festa dessa sua amiga, leve a estaca de ouro que está dentro da caixa, quando der meia noite vá para a praça que fica perto do shopping, a Hécate estará lá. Use de todos os seus poderes para acabar com ela, só você pode fazer isso. Quando ela estiver fraca, enfie a estaca de ouro no coração dela, ai estará acabado " Ele deu uma última olhada sugestiva pra mim e desapareceu envolvido por folhas secas que o vento varreu do meu quarto logo depois que ele sumiu.

Não tinha mais cabeça pra aguentar aquela barra. Eu era meesmo uma ninfa e eu tinha mesmo que matar alguém, mesmo que esse alguém fosse uma Deusa do mal eu não acreditava nisso. Os dias foram passando e o meu medo foi só aumentando cada vez mais, mas ao mesmo tempo eu estava com uma estranha força interior que me dizia que o caminho era aquele e não tinha mais volta, eu tinha que cumprir o que tinha sido designado a mim.

O dia da festa chegou. Eu não disse nada pra Kenzi pra ela não ficar com medo por mim e principalmente pra não cancelar a festa, ela estava muito animada e tinha passado dias planejando tudo com muito cuidado, eu não ia estragar aquilo.

Fui para a casa dela ajudar a arrumar as coisas mas a minha cabeça só conseguia pensar no que aconteceria mais tarde.

– Nat, será que eu boto esses enfeites aqui ou ali perto da piscina ? – não ouvi.

– Nat ? Nat, ta me ouvindo ? – Dei a minha opinião e junto um sorriso pra não demonstrar o quanto eu estava tensa.

A noite ia chegando, eu ia ficando cada vez mais nervosa e o meu cordão ia ganhando cada vez mais luz, como se estivesse vivo de alguma forma. Daniel chegou me deu um beijo e ficou do meu lado o tempo todo. O suor ia ficando cada vez mais frio na minha testa e a minha respiração mais ofegante, Daniel me perguntava toda hora se eu estava passando mal mas eu não respondia. O relógio já batia onze e quarenta e cinco, a festa rolava do jeito que a Kenzi queria que acontecesse. As pessoas se divertiam, dançavam, estavam adorando a comida e a música, tudo perfeito, exceto por uma coisa, estava na hora.

Deixei meu namorado na festa dizendo que precisava ficar sozinha, pra ele não me seguir porque eu não queria companhia. Fui andando decidida e medrosa em direção a praça. Meia noite, era o que dizia o relógio, olhei para um lado e para o outro procurando a Hécate, nada. Vi um clarão perto da fonte, me escondi atrás da árvore para observar, era ela. Cabelos negros que chegavam quase perto dos joelhos, olhos quentes que emanavam raiva e um sorriso no canto da boca com um toque sarcástico. Tomei coragem e corri para perto da fonte. Ela me viu chegar.

– Néfeles ? É você ? Pensei que esse dia nunca chegaria .. O dia que eu vou ter o prazer de destruir você. – Não consegui falar nada, eu estava lá com um propósito, mas não sabia se conseguiria fazer aquilo.

– Olha, você ganhou um cordãozinho .. Igual ao da sua mãe, eu tive o desprazer de conhecê-la – Apontou pra uma cicatríz profunda perto dos olhos – mas dei um jeito nela rapidinho.

– Minha mãe não fez o que eu vou fazer. – Corri pra cima dela com a estaca e ela me jogou contra a árvore debochando da minha cara de dor. Lembrei da fonte e logo depois dos meus poderes. A água foi violenta em cima da Hécate e eu fui impiedosa junto com a água. Os poderes dela ainda pareciam fortes e eu já estava ficando cansada de lutar. As nuvens se reuniram no céu e o tempo começou a mudar. Os raios e trovões eram meus aliados. Um raio atingiu Hécate como uma flecha e ela foi ficando fraca. A estaca de ouro brilhou na minha mão e atingiu o peito de Hécate.

– Isso é pela minha mãe, e isso é porque eu estou com raiva.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Que

Vamos supor...

Que por mais que eu te dissesse você não entenderia.
Que por mais que eu gritasse você me acharia louca.
Que por mais que eu te pedisse você me ignoraria.
Que eu poderia até tentar te explicar, talvez você me ouvisse, mas mesmo assim não escutaria.
Que eu chorasse a noite toda no meu travesseiro e implorasse, me ouviria?
Que todo o esforço que eu fizesse fosse em vão.
Que deixasse minhas coisas se esparramarem pela casa.
Que ouvisse meu sussurro no seu ouvido te dizendo saudades.
Que fechasse a porta ao invés de atravessá-la.

Que me olhasse com doçura.
Que soubesse todos os meus problemas.
Que me soubesse.
Que entendesse o meu espaço.
Que por tudo o que deixou de fazer, fizesse.
Que todas as noites mal dormidas eu pudesse te pedir para me ajudar a dormir.
Que caísse em si.

Que entendesse que eu nunca quis demais.
Que a poça que você pisou um dia eu chorei.
Que várias estações passaram, e se não passassem?
Que a gente passou.
Que o tarde nunca é cedo e que o tempo não volta mais, só está passando, e a cada minuto que passa cada vez mais eu te perco.
Que eu me perdesse dentro de mim.
Que eu pudesse desfazer tudo o que foi feito.

Que todas as brincadeiras estivessem na minha memória.
Que eu me lembrasse de tudo e preferisse esquecer que me lembro de tanta coisa assim.
Que eu não sentisse raiva.
Que criasse junto comigo uma nova perspectiva.
Que não me deixasse sozinha.
Que por mais todo esse vazio coubesse dentro de mim eu não soubesse lidar com ele.
Que nada mais importasse.
Que eu te mostrasse todos os meus versos e canções.
Que eu só queria que escutasse a minha música dizendo que eu só queria um pouco mais de você.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um dia Fulaninha encontrou o amor.


Fulaninha nunca foi a garota mais sortuda do mundo, era inteligente, mas isso nunca foi uma questão de sorte. Era quieta, sem brilho, sem vida, sem amor, sem muita coisa.
Possuía um sentimento estranho dentro de si, mas não sabia o que era.
Subia nas árvores mais altas para olhar o céu, sozinha.
Caía das árvores, ninguém ajudava.
Ria das coisas, sozinha.
Engolia o riso se sentindo uma idiota, parava.
Andando pelas ruas escuras de uma noite no fim, Fulaninha sentiu uma extrema vontade de chorar, não sabia o porquê de tanta aflição. Era uma menina vazia. Talvez, não vazia, mas cheia de nada, cheia de ninguém. Os livros de romance que lera falavam de coisas que ela não entendia, as novelas mostravam pessoas felizes, reunidas em família, entre amigos, ela não sabia o que era isso.
Fulaninha começou a sentir que o problema era ela, não o mundo.
Certa vez, quando entrava para casa, Fulaninha tropeçou no degrau da escada e caiu.
Apareceram duas meninas preocupadas ea ajudaram levantar.

As duas meninas que levantaram Fulaninha passaram a ser as pessoas de mais valor em sua vida. Se todas as coisas que passaram juntam fossem ditas nesse texto certamente, ele seria enorme.
Fulaninha encontrou o amor, quando achava que ela era o problema, quando tudo o que precisava era da certeza de um sentimento apareceram duas meninas que ela sabia que poderia chamar de amigas para o resto de sua vida.

Se alguém te ajudou a levantar, te viu chorar, te fez feliz, te abraçou quando precisava, virou a noite conversando com você, te disse verdades, te deu apoio, se talvez te machucou, pediu perdão, se durante muito tempo alguém foi essencial na sua vida, se por alguém você faz tudo para ver feliz, se por esse alguém você não trocaria nada nesse mundo, então, acho que você ama esse alguém.

Karla e May s2

terça-feira, 19 de abril de 2011

Vou te dizer uma coisa sobre garotas fúteis ...




Garotas fúteis são tidas como ridículas, vazias, egoístas e burras. Bom, na verdade, é exatamente isso que elas são. Criaturas programadas para comprar, vivem para seus cabelos e para o seu corpo, são movidas pelo dinheiro e nunca ( entenda bem ) NUNCA ficam satisfeitas com duas ou três blusinhas, por mais que o seu closet esteja abarrotado de roupas novas, com etiqueta, ou pouco usadas, garotas fúteis sempre querem mais alguma coisa.
Então, eu estou (estava (?)) quase lá.
Minha professora passou um vídeo sobre anorexia e distúrbios alimentares no geral. Eu me vi naquela situação. Não anoréxica, porque eu gosto muito de comer, mas complexada.
Me analisando bem, qualquer um que me conhece percebe que eu sou complexada, com tudo em mim. Algumas pessoas dizem que eu deveria ir consultar um psicólogo, e às vezes, eu até acho isso também, porque bem ou mal, não é só futilidade. As coisas que eu sinto quando me olho no espelho, quando leio revistas, vou ao shopping ou qualquer coisa assim não pode ser chamada só de futilidade, eu choro, me sinto mal, uma sensação de que alguém está me sufocando, sei lá.
Qualquer pessoa que ler isso vai dizer “ garota mimada, estúpida, fica chorando por coisa idiota “, mas essas pessoas não sabem o que eu sinto. É HORRÍVEL!
Não sou eu a questão, são todas as garotas, do mundo inteiro que tem Transtornos alimentares, problemas em relação à aparência, que sofrem bullying e por isso desenvolveram qualquer espécie de distúrbio psicológico.
A diferença de futilidade para problema psicológico é quando a preocupação extrema com si mesmo e a não aceitação pessoal se tornam intensas e afetam a sua vida de alguma forma.
Garotas fúteis vão ao shopping, querem gastar, vão ao cabeleireiro, fazem a unha, chegam em casa, se sentem lindas e realizadas e no dia seguinte querem fazer tudo de novo porque a vida delas se resume nisso.
Essas meninas não são fúteis, elas tem problemas, e esses problemas devem ser observados pelas pessoas da família, amigos e se preciso por um terapeuta ou médico, mas esses problemas não podem ser deixados de lado, são graves e podem levar à loucura e até a morte.
A confusão que é gerada dentro da cabeça dessas garotas é inacreditável, ninguém entende, por isso julgam. Não sabem o que é se olhar no espelho e se ver um monstro quando na verdade todos dizem que isso não é verdade. Nesse caso a realidade é completamente distorcida e por mais que elas emagreçam, façam o cabelo, façam de tudo para ficarem “lindas” nada do que fizerem vai mudar a visão de que são aberrações.
Algumas conseguem passar por cima desses problemas e se esforçam para tentar esquecê-los mas outras são frágeis e precisam de muito apoio.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

men men men ♪

Depois dizem que nós que somos complicadas.
Entendo os homens tanto quanto entendo Química [nada].
Em falar nisso, vou estudar pra Química, tem prova Sábado.



Beijos,
Carol.

domingo, 10 de abril de 2011

Quero ver como suporta me ver tão feliz.

Baseado na música de Chico Buarque : Olhos nos Olhos

As coisas não estavam indo muito bem entre eu e Miguel, isso qualquer pessoa que fosse próxima de nós dois conseguia perceber.

Nos conhecemos no colégio, quando tínhamos mais ou menos dezesseis anos. Eu era estranha, gostava de ler livros antigos, ia pra escola de bicicleta, tinha aparelho, óculos, cabelo preso em rabo de cavalo pra trás e usava roupas completamente desatualizadas. Miguel era bom demais pra mim, estava no time de futebol da escola, era lindo e popular, nem notava a minha existência. Nunca liguei muito pra ele, pra falar a verdade, nunca liguei pra ninguém daquela escola ridícula, todos que estudavam lá eram filhinhos de papai estúpidos que nunca vão saber o que é ganhar a vida com o seu próprio esforço.

O grande acontecimento foi que eu me mudei para os Estados Unidos e fiquei morando lá por volta de um ano e meio. Quando voltei a concepção do pessoal da escola em relação a mim acabou mudando, afinal, o patinho feio tinha finalmente se transformado em cisne e estava pronto pra arrasar. Os óculos viraram lentes, aparelho foi substituído por dentes totalmente alinhados e brancos, o rabo de cavalo eu resolvi aposentar e em relação às roupas... Tive algumas aulas de moda com o pessoal dos USA.

Primeira questão, antes de sair do Brasil eu não tinha amigos no colégio. Quando voltei, todos queriam saber quem eu era e virar meus amigos. Segunda questão, quando algumas garotas começaram a ver que os caras populares estavam se aproximando de mim colavam no meu braço e me chamavam de amiga. E a última e mais importante de todas, Miguel.

Não gosto de falsidade, nunca gostei, quem não gostava de mim antes não teria como começar a gostar depois que eu voltei, isso só aconteceu porque eles sabiam que a minha popularidade naquele lixo estava aumentando e por causa disso eles iam ganhar algo em troca se começassem a andar comigo. Mandei todo mundo se fuder e continuei fazendo o que fazia de melhor, ficando sozinha.

Chega uma hora na vida da pessoa que ela sente falta de alguém pra amar, ficar junto, contar os problemas, rir, enfim, de um namorado, eu estava começando a me sentir assim. A escola era monótona, os caras que me davam ideia não gostavam de mim pelo que eu era e sim pelo que eu me tornei, aquilo me incomodava demais. Miguel era o único cara, que mesmo depois da minha mudança, nunca ligou pra mim, aquilo me assustava, mas de um jeito bom, como se ele não gostasse de mim e pronto, independente do que eu vestisse ou a maquiagem que eu usasse. Me encantei com o cara popular de cachinhos dourados do segundo ano.

Hora do almoço, comida ruim, sinônimo de bois e aves mortos. Eu era vegetariana, aquilo nunca deu certo. Sentei numa mesa isolada com o meu prato de saladas e omelete de legumes. Duas mesas depois da minha sentavam os populares, no meio deles Miguel. Chuck, um troglodita em forma de gente vivia dando em cima de mim depois que voltei pra escola, nesse dia mais uma vez tentou me chamar pra sentar com eles, e dessa última vez eu aceitei, não por ele (eca) só pra observar o Miguel mais de perto.

Todas aquelas vozes em volta perguntando como tinha sido nos Estados Unidos, se os caras de lá eram gatos, se eu trouxe muita coisa de lá, era como se todas aquelas pessoas falando no meu ouvido estivessem em silêncio, o dourado dos cachinhos daquele garoto que não me dava papo e não tinha uma posta de carne no prato estava me contagiando e eu não hesitei em perguntar :

­­ – Por que você não gosta de mim?
Heim ? – Se fez de tonto, faz isso muito bem até hoje.
Desisti de perguntar e ele também se calou. Quando saímos da escola eu peguei minha bicicleta, arrumei minha bolsa e alguma coisa apareceu na frente impedindo a passagem.
– Não tenho nada contra você
– Então por quê você nunca fala comigo ? – Eu estava indignada
– Sei lá, acho que não queria que você pensasse que eu estava me aproximando de você agora só porque está a maior gata. – Me deixou encabulada – Vamos tomar um sorvete.

O sorvete. Essa foi a deixa pra tudo. Depois do sorvete nos conhecemos melhor, ficamos, namoramos por cinco anos, nos casamos e no fim de tudo ele me deu um pé na bunda. Foi o pé na bunda mais imundo e injusto de toda a história dos pés na bunda, e tudo isso foi culpa de quem? Do maldito sorvete. Se eu não tomasse o maldito sorvete com ele a seis anos atrás eu seria uma mulher feliz.
Bom, foi exatamente assim:
Nós começamos a brigar todos os dias. Nunca fomos um modelo de casal, mas de uns meses pra cá nossa vida virou um inferno. Eu sempre tentei agradar ele, a vida inteira. Todos os dias ele chegava e encontrava o jantar pronto, quente, em cima da mesa com todas as regalias que um homem precisa. Quantas às vezes que deixei de sair com as minhas amigas únicamente e simplesmente porque ele não gostava, e o amor ? Ele arrastou pra debaixo do tapete e jogou fora junto com o tapete, com os nossos planos, com todo o nosso projeto de vida.

Sinceramente, pensei que ia enlouquecer. Imagina uma coisa dessas, ele simplesmente pegou a minha vida e jogou no lixo com sete palavras “ Amanhã eu venho pra buscar minhas coisas “.
Quando ele chegou em casa, como era de costume as malas dele estavam prontas, roupas passadas e limpas, como se ele fosse viajar pra mais uma convenção, só com uma diferença dessa vez ele não voltaria

– Espero que você seja feliz
Filho da puta. Atirou a minha vida na lata do lixo e me pede pra ser feliz.
Mais uma vez as coisas seriam do jeito que ele quis...

O bar parecia o melhor lugar pra mim naquela noite, o destino era certo, o que eu iria fazer quando chegasse lá é que era o problema. Me arrumei como se estivesse me arrumando pra sair com o Miguel para algum restaurante, só que sem ele.
– Um drink, por favor
Eu estava me sentindo uma corna. Só faltava a música do Reginaldo Rossi de fundo. Olhava em volta... Até que o bar era bonitinho.
– Uma cerveja, por favor
Descrição do cara da cerveja : Moreno, alto, bonito e sensual, quem dera ele fosse a solução dos meus problemas.

Depois do terceiro drink e ele lá pela terceira cerveja também as palavras foram trocadas sem medo e com aquele brilho que só depois de umas e outras a gente consegue ter.
– Tomou um toco? – Perguntou delicado igual a uma jamanta
– Não, meu marido me deixou depois de eu ter deixado tudo por ele
Pelo visto, ou ele sabia o que era isso ou estava fingindo muito bem porque se calou e resolveu mudar de assunto.
A noite corria e por um momento eu esqueci quem era Miguel e toda a canalhice que ele tinha feito comigo, falar de Frank Sinatra e de como o bom e velho rock está cada vez mais distante de nossa realidade nos parecia bem mais interessante, até o garçom chegar e desejar feliz dia dos namorados pra nós dois. Chorei até desidratar e ele ficou do meu lado me ouvindo falar de como eu não sabia o que fazer, de como eu queria ficar feliz só não sabia como fazer isso.

A sugestão do galã de cinema não poderia ter sido melhor.
Primeiro me disse uma coisa que me abriu os olhos
– Você tem vinte e quatro anos de idade, não é uma velha, tem muita coisa pra viver ainda. Acho que esse é o momento de você resgatar tudo que esse cara arrancou de você, resgatar sua vida, sua juventude. Pelo que você me disse você agia que nem a minha mãe. Cozinhava, passava, lavava, vivia pra ele, não acha que agora é sua vez de viver pra você?
Depois me levou pra balada.

Foi realmente a sensação de estar resgatando a minha adolescência. Eu dancei a noite toda, bebi, vi as luzes da boate em volta de mim e por mais que a música fosse super agitada, eu sentia como se fosse um mantra relaxando a minha mente.

“But it's a good excuse to put our love to use
Baby I know what to do, baby I will love you
I'll love you, I'll love you
.”

Sabe aquela música que era a única coisa que você não precisava ouvir? Foi justamente a que tocou. As lágrimas escorriam pelo meu rosto e ele as secava, me abraçava forte e me balançava para um lado e para o outro tentando me fazendo curtir até o meu sofrimento. Eu nem conhecia aquele cara, por que ele estava secando as minhas lágrimas? Ele tentou o beijo, eu não cedi, ele tentou de novo. O cheiro daquele perfume diferente e os braços que me envolviam não me deixaram escapar. Ele me beijou de um jeito que em todos esses seis anos Miguel nunca tinha feito. Naquele gesto não tinha amor, nem desejo, tinha algo mais. Talvez carinho, compreensão, talvez ele só tenha me achado maluca e por isso resolveu me beijar mas foi incrivelmente marcante.
Ele me deixou em casa, perguntou se eu tinha certeza se não queria que ele subisse, eu disse que não, mas que de qualquer forma tinha o telefone dele se precisasse.
Subi para o meu quarto, tomei um banho quente, saí com o vapor me rodeando, a casa estava vazia, eu não estava acostumada com aquilo. Bom, bem ou mal eu ainda tinha o telefone do cara super fofo do bar.

Em alguns minutos lá estava ele, embaixo da minha janela com os braços cruzados e os músculos saltando me fazendo perder o controle. Ele subiu, disse que sabia do que eu precisava, fez brigadeiro pra mim, vimos filme abraçados e comendo aquela gororoba , ele me levou pro quarto e me mostrou que o Miguel não era de nada.

A manhã da minha casa nunca foi tão bonita. Eu sabia que não teria de novo, ele foi uma noite incrível que nunca mais se repetiria, não com ele, quem sabe com outros tão mais apaixonados em um dia que o Miguel jamais foi em todos esses anos, que vão me dar mais valor em um dia do que o cafajeste que me largou jamais ousou em fazer.

Durante todos os meus dias sem o Miguel eu busquei fazer exatamente o que ele me pediu quando saiu da nossa casa : ser feliz.
Tantas coisas aconteceram... Voltei a ser uma pessoa amável e sociável, senti como se tivesse voltado no tempo em que conheci o Miguel e tivesse escolhido não tomar o sorvete com ele, retomei a minha vida, os meus projetos, meus sonhos... Nada disso ele conseguiu levar naquela mala que ele carregou só Deus sabe pra onde.

O computador me ocupava a mente com o novo livro que eu estava escrevendo, as pesquisas não paravam e as ideias fluíam na minha cabeça como nunca fluíram. O café, meu mais novo melhor amigo estava me tirando noites de sono que eu não me arrependo de ter perdido. E... fim. A campainha tocou.

Miguel.
– Oi, vim saber como você está... Eu fiz a maior burrada da minha vida em ter te largado, descobri que não poderia ter cometido erro maior.
– É, você errou mesmo, obrigada, me fez acertar. Pela primeira vez em seis anos eu posso te agradecer por ter me feito feliz, foi certamente a melhor escolha que você já fez na sua vida.

Caroline Linhares.