sexta-feira, 29 de abril de 2011

Enviada


O barulho era quase inexistente. Aquele pedaço da cidade estava vazio, somente os postes ligados, alguns pombos em cima dos telhados e eu andando no meio daquele nada. Não que me importasse, mas eu estava um trapo. Um vestido bege todo manchado de sangue, sandálias de salto na mão esquerda, uma estaca de ouro na mão direita, lágrimas pretas escorrendo pelo meu rosto em consequência da maquiagem pesada que foi embora junto com a tarefa cumprida, afinal, eu estava lá para isso.

Quando Ninfas são mandadas para a Terra, elas não vem à toa, nós estamos aqui disfarçadas cada casta com o seu propósito. Eu sou Néfeles, sou da casta das oceânides, controladoras do mar e de tudo o que se relaciona a água. A missão das Oceânides é matar Hécate, a deusa do submundo. Hécate vem para a superfície nas noites de Lua nova. Ela envia aos seres humanos aparições de terrores noturnos e causa desgraça o quanto pode. Na maioria das vezes Hécate foi surpreendida por uma de nós mas nenhuma jamais conseguiu acabar com ela completamente porque essa era especificamente a minha missão.

Somos enviadas ao mundo três dias depois de nascer, nos deixam na porta da casa dos humanos e somos criadas como pessoas normais. Eu acreditava que era uma pessoa normal, exceto por algumas coisas que eu considerava meio estranho. Desde criança fui à escola, tive amigos e agora com dezessete anos eu completei o ensino médio. No dia da minha formatura, assim que estava entrando em casa, voltando do baile, um senhor barbudo e esguio me entregou uma caixa e me disse " Só abra quando estiver sozinha, não pode haver mais catastrofes do que o mundo já viu. Não, não pode ". Achei que ele estava pirado. Subi as escadas correndo feliz porque Daniel Forks tinha me pedido em namoro, nem me liguei na caixa, joguei ela em cima da cama e fui tomar um bom banho. Depois do banho botei o meu casaco do Mickey que eu não troco por nada, estava secando os cabelos com a toalha quando me lembrei da caixa, ela estava exatamente no lugar onde eu havia deixado. Li o bilhete que estava em cima da caixa, ele dizia:

"Você acha que tudo o que presenciou até agora foi assustador ? Seus poderes ainda estão se desenvolvendo. Acha que manipular a água é estranho?

Então, agora prepare-se para conhecer realmente os seus poderes e descobrir coisas que você jamais poderia imaginar "

Como ele sabia da manipulação da água ? Será que estava sendo vigiada ? Por um momento eu fiquei com medo de ver o que tinha na caixa, mas a minha curiosidade não deixou. Ao abrir aquela caixa de madeira uma luz muito forte saiu lá de dentro e a caixa era bem mais funda do que parecia. Lá tinha uma estaca de ouro, um colar com uma nuvem de cristal e uma outra carta.

" Néfeles, Ninfa das nuvens, da casta das oceânides. A partir de hoje seu nome não é Natalie. Você foi enviada à Terra quando nasceu, foi entregue aos seus atuais pais, mas na verdade você é filha de Hemera, deusa da luz.

Sua missão por aqui é matar Hécate, deusa da escuridão e acabar com as desgraças causadas por ela. Hemera tinha a mesma missão que você, porém, os poderes dela não foram o bastante para derrotar Hécate. Acha que eu estou brincando ? Se negar o seu destino sofrerá as consequências. Néfeles, confiamos em você para que possa restaurar a paz que Hécate insiste em destruir "

HAHAHAHAHA. Quando li aquilo eu olhei para um lado e para o outro procurando as câmeras e falando para os meus pais " Tá, tá bem .. já podem sair, obrigada pelo presente de formatura, mas não, obrigada não vou salvar o mundo ". Botei o cordão de nuvem e fui dormir.

No dia seguinte, fui para a casa da minha amiga Kenzi ajudar a organizar os detalhes da festa que aconteceria na próxima semana. Ela sabia tudo sobre mim, inclusive a minha estranha capacidade de mover a água pra lá e pra cá. Cheguei lá, ficamos conversando, rindo, ligando para todos os Djs e Buffets do bairro para ver qual caia melhor no nosso orçamento .

Depois de tudo praticamente resolvido fomos comprar nossos vestidos para a festa. Kenzi escolheu um vestido rosa horrível e eu a fiz trocar imediatamente, logo depois um cinza que parecia ter sido feito para alguém ir a um enterro, ela nunca teve muita noção de moda mesmo, então resolvi escolher. Peguei um azul claro que era uma graça, tinha um decote em V, cintura justa e uma saia mais soltinha em baixo. Pra mim achei um bege com decote em U, tubinho, que combinaria perfeitamente com o meu cordão novo. Depois escolhemos a sandália e fomos tomar um sorvete.

O céu estava escuro, logo logo ia chover. Eu disse pra Kenzi que teria que ser rápido porque já estava pingando. A água começou a cair e as gotas de chuva viraram poças e as poças estavam se formando nos cantos das ruas, ou seja, provavelmente seriamos molhadas por algum carro. Não deu em outra, o cara passou em cima da poça e a água veio na gente, imediatamente eu apontei meu dedo e gritei " Desgraçado ". Toda a água que estava no chão imediatamente começou a se juntar como se fosse uma cachoeira ao inverso e se chocou contra o carro. O veículo bateu no poste e a parte da frente ficou totalmente destruída.

Kenzi olhou pra mim como quem diz " O que você fez ? " e eu olhei pra ela como quem diz " eu não sei, eu não sei, pare de olhar pra mim como se eu fosse uma maluca e isso fosse culpa minha ".

Fomos pra casa dela, eu estava nervosa, suspirando cada vez mais fundo sem entender nada. Lembrei do que a carta dizia " Se negar o seu destino sofrerá as consequências " Não, não podia ser. Pra mim aquele tipo de coisa não existia, mas estava se tornando cada vez mais real. Exliquei pra Kenzi o que tinha acontecido e ela foi a única que acreditou na tal caixa e disse " Natalie e se isso for mesmo verdade? E se você for mesmo a Néfeles e tiver que matar esse tal monstro. Eu acredito nisso, mover a água e destruir um carro é bastante estranho já. Você ser uma ninfa não iria me surpreender "

Em casa, sozinha, deitada na minha cama, aguniada, e tudo o que tinha acontecido naquela tarde passando como um filme na minha cabeça. Eu estava preocupada com o senhor que dirigia o carro mas não parava de pensar .. E se eu realmente fosse uma ninfa e tivesse que matar alguém, como eu faria isso ? Nunca matei nem uma mosca. E como eu faria pra encontrar essa Deusa do mal e honrar o nome da minha mãe seja lá quem ela fosse ?

Comecei a gritar desesperada " O que eu faço agora em ? Me leva até essa Hécate maluca pra eu acabar com ela, por causa de vocês a minha vida está um inferno, será que eu posso ter um pouco de paz e viver que nem uma pessoa normal que não destrói nada ? EMM ? " Uma voz falou dentro do meu ouvido e eu fiquei assustada. " Quem está ai ? " O senhor que tinha me entregado a caixa apareceu na varanda do meu quarto e entrou sem pedir licença.

" No dia da festa dessa sua amiga, leve a estaca de ouro que está dentro da caixa, quando der meia noite vá para a praça que fica perto do shopping, a Hécate estará lá. Use de todos os seus poderes para acabar com ela, só você pode fazer isso. Quando ela estiver fraca, enfie a estaca de ouro no coração dela, ai estará acabado " Ele deu uma última olhada sugestiva pra mim e desapareceu envolvido por folhas secas que o vento varreu do meu quarto logo depois que ele sumiu.

Não tinha mais cabeça pra aguentar aquela barra. Eu era meesmo uma ninfa e eu tinha mesmo que matar alguém, mesmo que esse alguém fosse uma Deusa do mal eu não acreditava nisso. Os dias foram passando e o meu medo foi só aumentando cada vez mais, mas ao mesmo tempo eu estava com uma estranha força interior que me dizia que o caminho era aquele e não tinha mais volta, eu tinha que cumprir o que tinha sido designado a mim.

O dia da festa chegou. Eu não disse nada pra Kenzi pra ela não ficar com medo por mim e principalmente pra não cancelar a festa, ela estava muito animada e tinha passado dias planejando tudo com muito cuidado, eu não ia estragar aquilo.

Fui para a casa dela ajudar a arrumar as coisas mas a minha cabeça só conseguia pensar no que aconteceria mais tarde.

– Nat, será que eu boto esses enfeites aqui ou ali perto da piscina ? – não ouvi.

– Nat ? Nat, ta me ouvindo ? – Dei a minha opinião e junto um sorriso pra não demonstrar o quanto eu estava tensa.

A noite ia chegando, eu ia ficando cada vez mais nervosa e o meu cordão ia ganhando cada vez mais luz, como se estivesse vivo de alguma forma. Daniel chegou me deu um beijo e ficou do meu lado o tempo todo. O suor ia ficando cada vez mais frio na minha testa e a minha respiração mais ofegante, Daniel me perguntava toda hora se eu estava passando mal mas eu não respondia. O relógio já batia onze e quarenta e cinco, a festa rolava do jeito que a Kenzi queria que acontecesse. As pessoas se divertiam, dançavam, estavam adorando a comida e a música, tudo perfeito, exceto por uma coisa, estava na hora.

Deixei meu namorado na festa dizendo que precisava ficar sozinha, pra ele não me seguir porque eu não queria companhia. Fui andando decidida e medrosa em direção a praça. Meia noite, era o que dizia o relógio, olhei para um lado e para o outro procurando a Hécate, nada. Vi um clarão perto da fonte, me escondi atrás da árvore para observar, era ela. Cabelos negros que chegavam quase perto dos joelhos, olhos quentes que emanavam raiva e um sorriso no canto da boca com um toque sarcástico. Tomei coragem e corri para perto da fonte. Ela me viu chegar.

– Néfeles ? É você ? Pensei que esse dia nunca chegaria .. O dia que eu vou ter o prazer de destruir você. – Não consegui falar nada, eu estava lá com um propósito, mas não sabia se conseguiria fazer aquilo.

– Olha, você ganhou um cordãozinho .. Igual ao da sua mãe, eu tive o desprazer de conhecê-la – Apontou pra uma cicatríz profunda perto dos olhos – mas dei um jeito nela rapidinho.

– Minha mãe não fez o que eu vou fazer. – Corri pra cima dela com a estaca e ela me jogou contra a árvore debochando da minha cara de dor. Lembrei da fonte e logo depois dos meus poderes. A água foi violenta em cima da Hécate e eu fui impiedosa junto com a água. Os poderes dela ainda pareciam fortes e eu já estava ficando cansada de lutar. As nuvens se reuniram no céu e o tempo começou a mudar. Os raios e trovões eram meus aliados. Um raio atingiu Hécate como uma flecha e ela foi ficando fraca. A estaca de ouro brilhou na minha mão e atingiu o peito de Hécate.

– Isso é pela minha mãe, e isso é porque eu estou com raiva.

Nenhum comentário:

Postar um comentário