domingo, 12 de junho de 2011

Bento. (parte 2 )



Sentamos num quiosque do posto oito da praia de Ipanema, pedi duas águas de coco e dois pastéis. Fiquei olhando para o jeito educado como ele comia, como se postava, e que jeito de falar era aquele?

– Quais são seus autores favoritos – Quis testar toda aquela intelectualidade.
– Eu gosto de livros, da imaginação, da criação, das mentes por trás da obra, os nomes não importam, cada palavra lida é uma lição pra vida, te acrescenta alguma coisa.
Mendigos não falam isso. Mendigos não leem e principalmente... Mendigos, não esperam engolir a comida para falar.

Bento ficava deitado num pedaço de papelão com jornais em cima, com as folhas todas arrumadinhas e um lençol velho por cima, vestia uma camisa suja vermelha com uma calça que parecia mais um saco de batatas velho e imundo. Era uma pessoa educada e culta, com um vocabulário rico e gestos doces. Como todas as pessoas que moram nas ruas, ele não merecia estar ali, mas eu também não poderia levar para casa um desconhecido...
Em casa, parei para pensar na situação que estava me incomodando. Como Bento tinha virado mendigo e porque essa obsessão por livros.

Estava atrasada para o trabalho, tinha procurado as chaves do carro a manhã toda, e só depois de revistar tudo, me lembrei que estavam na minha bolsa, perdi o pen drive com as matérias da nova edição, esqueci a panela com água no fogo e a água evaporou toda, não tomei café, nem levei o cachorro pra passear, pedi desculpas “ Desculpa pig, mamãe te leva quando voltar, prometo “. O nome dele é pig porque quando encontrei ele na rua pensei “Ele é gordo igual a um porco “.
Todos na redação estavam enlouquecendo. Roubaram a idéia da matéria de Comportamento e tínhamos que arrumar outra até o dia seguinte, não dava para esperar.
Como sempre... Sobrou pra mim, e mesmo que eu estivesse atolada de trabalhos pendentes, seria obrigada a dar um jeito nisso mais uma vez.

– O que eu posso escrever?...
Por mais que eu tentasse pensar parecia que a minha inspiração resolveu sair de férias. Normalmente as ideias brotavam do nada na minha cabeça, mas naquele dia tinha um vazio enorme e nada que eu pensasse parecia ser uma boa ideia.
– Odeio essa revista de mulherzinha! Todas as matérias são sempre iguais “ Como seduzir o cara dos sonhos “, “ A mulher do século XXI “, “ Príncipe ou Sapo ? “ .. Sempre a mesma chatice que todo mundo já está cansado de saber, mas que todo o santo mês uma revista feminina publica.
Eu não queria fazer mais uma matéria inútil sobre o comportamento feminino idiota, eu queria inovar, chocar, emocionar, eu queria falar sobre uma coisa realmente interessante, que... Bento.

Peguei meu gravador, câmera, papel e caneta e fui atrás da minha matéria como todo o bom jornalista deve fazer.
Deitado no lugar de sempre, olhando pro nada, pensando em alguma coisa, estava o meu amigo Bento.
– Oi, boa tarde.. Fazendo o que ? – Perguntei
– Nada, olhando as pessoas passarem e vendo as diferenças
– Huum... – Parei por dois minutos pra ver aquilo que ele via ­– Então... Bento... A situação é a seguinte... Roubaram as ideias das matérias da revista onde eu trabalho e... Eu preciso fazer outra até amanhã... Queria saber se você estaria interessado em ser entrevistado por mim, porque você sabe que é uma pessoa de rua diferente, com hábitos diferentes e eu, pessoalmente, queria muito saber mais da sua vida, o que aconteceu para você vir parar nas ruas, entre outras coisas...
– Minha vida não é uma das mais divertidas para você me entrevistar, e as coisas que eu passei fizeram de mim nada mais que um mendigo. Acho que eu não sou a pessoa certa para fazer da sua revista um sucesso.
– Mas eu acho... que é a pessoa ideal . Olha isso... Uma pilha dos melhores livros que muitas pessoas de alta renda nunca pensaram em ler. Você é mais culto do que muito filhinho de papai que anda por aí... Eu só queria que você me permitisse mostrar o seu valor para o mundo.
– Então tá... Eu morava no interior do Rio, junto com meu pai. Minha mãe morreu quando eu tinha 6 anos... Ainda lembro dos olhos verdes lindos, mesmo depois de doentes, falidos, e da sua mão gélida, macia que me tocou minutos antes de morrer. Cresci com o meu pai, Seu Francisco, dono da mais variada biblioteca popular da cidade. Éramos uma família pequena e sem muitos recursos, mas ele me ensinou boa parte das coisas que sei sobre a vida... Que ela é cruel, mas pode ser linda, se olhá-la com os olhos certos, que esperar é chegar, nem que demore a eternidade, fazer o certo mesmo que todos sejam errados e ler com os olhos da alma, sem críticas, porque cada história, cada verso, preenche sua vida com o mais rico sabor do conhecimento e todo conhecimento é válido. Era um homem incrível. Faleceu quando eu tinha 12 anos, cuidei dele até o último minuto de vida. Como fiquei sozinho depois da morte dele, fui morar com as minhas tias e levei junto comigo todos os livros da biblioteca.
Minha tia era... Bem... Uma pessoa difícil. Quando cheguei na casa dela, tratou logo de arrumar o quarto mais escuro da casa e uma lista de coisas para eu fazer. Não liguei, porque minha vida nunca foi fácil mesmo, só me irritava quando ela me machucava. – Levantou a camisa. Pelo corpo várias marcas de queimadura e cicatrizes – Me queimava com plástico derretido e me furava com talheres da cozinha se eu não fizesse as coisas direito. Com dezesseis anos e cansado das agressões, fugi pra rua e trouxe comigo os livros do meu pai. Essa pilha de livros não é nada, se me permitir te mostro .

Andamos um pouco e com as chaves que carregava no bolso, Bento abriu uma portinha que dava para um grande buraco ABARROTADO de livros. Tratei de tirar algumas fotos.

– Um senhor dono da floricultura me cedeu gentilmente esse espaço para guardar meus livros.
Então... Durante todo esses anos passei lendo alguns desses livros, espero terminar de ler todos eles até a minha morte.

Me emocionei.

(Continua...)

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